Franklin Douglas (*)
Os 10 anos do PT no Governo
Federal foi o tema da semana no debate de mútuos ataques entre o lulo-peemedebê-petismo e o tucanato. O PT
contrapôs um discurso de que elevou 40 milhões de brasileiros à chamada
"nova classe média" frente à herança maldita deixada pelo PSDB. Foi o
sujo falando do mal-lavado!
Leonel Brizola, certa vez quando provocado
a comparar politicamente Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, respondeu
com um daqueles seus ditos espirituosos: "FHC é o Collor menos 10%!".
Nas pegadas da tirada brizolista, poderíamos sim afirmar que, ao comparar os oito
anos do governo de FHC com os 10 anos de Lula-Dilma, o governo do PT é o governo do PSDB menos 13%!
Senão vejamos:
1) FHC fez a reforma da
Previdência privada, Lula a reforma da Previdência pública;
2) FHC privatizou
telecomunicações, Dilma, aeroportos e estradas;
3) FHC turbinou o agronegócio,
Lula também e Dilma abandonou a reforma agrária;
4) FHC veio ao Maranhão
"inaugurar", junto com Roseana, o Pólo de Confecções de Rosário, que só
gerou dívidas aos trabalhadores envolvidos; Lula veio ao Maranhão
"inaugurar", na companhia de Roseana, o início da construção da Refinaria
da Petrobras, também em Rosário, que ninguém sabe quando sairá do papel... FHC
e Lula/Dilma sustentaram a oligarquia Sarney no Maranhão e por ela foram
apoiados em Brasília;
5) Tanto PSDB quanto PT praticaram
o denominado "presidencialismo de coalizão", sob uma governabilidade conservadora que custou o
"escândalo da compra de votos para a emenda da reeleição", para FHC,
e o "escândalo do mensalão", para Lula.
De fato, a unificação dos programas sociais do Governo
Federal em torno do Programa Bolsa Família resultou na diminuição da pobreza.
Segundo o IBGE, de 1998 a 2008, as famílias pobres passaram de 32,4% para
22,6%. Dado que segue complementado pelo IPEA que estima que 12 milhões e 800
mil brasileiros saíram da pobreza nesse mesmo período. O MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) informa
que mais de 13 milhões de famílias foram alcançadas pelo Bolsa Família,
mobilizando recursos na ordem de mais de R$ 14 bilhões de reais em
transferência de renda a esse setor da sociedade, considerado como abaixo da
linha da pobreza.
Se esse dado aparece como um
grande avanço em relação aos anos 1990, a década de gestão tucana das políticas
públicas, o lulo-peemedebê-petismo superdimensiona esses
números e relativiza outros. Já se viu isso no Brasil do ex-ministro Rubens
Ricupero (governo Itamar): "O que é bom a gente mostra, o que é ruim a
gente esconde" ...
O período Lula-Dilma, para
manter-se no governo e ganhar eleições, optou por expressar um pacto de classes
que remete a uma espécie de social-neoliberalismo em implantação no país. Ele
permite ao Estado disponibilizar recursos para a contenção da pobreza e da
miséria, ao mesmo tempo em que, em maior proporção, usa dinheiro do BNDES, por
exemplo, para financiar a baixíssimos juros os projetos do grande capital
mínero-metalúrgico e energético do País.
Outro exemplo: para a agricultura
familiar serão destinados R$ 22 bilhões para a safra 2012/2013 (segundo dados
do MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário), enquanto que para o
agronegócio destinou-se o total de R$ 44 bilhões para a safra 2011/2012 (dados
do MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Três vezes mais
para o agronegócio do que o total de recursos destinados ao Programa Bolsa
Família!
Sob a atual política monetária e
de juros, o governo rola uma dívida superior a R$ 414 bilhões de reais (dados
do Ministério da Fazenda sobre a dívida pública bruta consolidada). Tal pacto
até resulta numa leve baixa na concentração de renda, mas quase imperceptível
ao longo dos 10 anos dos governos do PT, como apurou a última PNAD do IBGE,
referente ao ano de 2011: a renda média mensal
dos trabalhadores brasileiros subiu 8,3% em relação a 2009, mas, de forma
geral, os 10% da população ocupada com renda mais elevada ainda concentraram
41,5% do total dos rendimentos. Os 10% mais ricos concentram quase metade da
renda do país!
Nessa velocidade, por exemplo, vai demorar 120 anos para incluir os
trabalhadores domésticos numa "proteção social e trabalhista". Como analisou
André Singer, um dos intelectuais do projeto petista, "o Brasil caminha
para a frente, mas a passo tão lento que fica difícil distinguir se, nele,
constrói o futuro ou eterniza o passado" (Folha de São Paulo, 09/02/2013,
p. 02).
Assim, o discurso faccioso tenta nos
fazer crer que, devido à política de diminuição do desemprego e aumento real do
salário mínimo, tivemos um pacto de incorporação ao mercado de consumo da
sociedade do que alguns denominaram de uma “nova classe média”.
Nem “nova”... Nem “classe”... Nem
“média”... Como reflete lucidamente outro intelectual que, mesmo petista, não
ludibria ideologicamente o fenômeno da esdrúxula política de conciliação de
classes posta em execução pelo lulo-peemedebê-petismo. Analisa Márcio Pochmann,
em seu livro "Nova classe média? o
trabalho na base da pirâmide social brasileira":
"Mesmo com o contido nível educacional e a
limitada experiência profissional, as novas ocupações de serviços, absorvedoras
de enormes massas humanas resgatadas da condição de pobreza, permitem inegável
ascensão social, embora ainda distante de qualquer configuração que não a da
classe trabalhadora [...] Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de
ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população
emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser
claramente identificados como classe média. [...] Associam-se, sim, às
características gerais das classes populares, que, por elevar o rendimento,
ampliam imediatamente o padrão de consumo. Não há, nesse sentido, qualquer
novidade".
Enfim, não temos um novo ator,
mas o mesmo ator que emergiu dos anos da luta democrática contra o regime
militar e da resistência neoliberal que, ascendendo ao poder, “dourou a pílula”
do capitalismo à classe trabalhadora brasileira, como diria Francisco Oliveira.
De “novo”, uma espécie de up grade da estratégia a welfare state que garante a
reprodução do sistema do capital, acomodando a questão social sob a classe
trabalhadora. Nada mais velho na política brasileira!
(*) Franklin Douglas - jornalista, professor e doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Artigo publicado no Jornal Pequeno (edição 24/02/2013, p. 12)